Revista Devires v.12 n.1 – Dossiê Documentário e Cinema de Arquivo: Escritas da História no Cinema

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devires, belo horizonte, v. 12, n. 1, p. 01-230, jan/jun 2015 – issn: 1679-8503 (impressa) / 2179-6483 (eletrônica)

Sumário

06 Apresentação – Anita Leandro, César Guimarães e Julia Fagioli

Documentário e cinema de arquivo: escritas da história no cinema
12 O destino singular das imagens de arquivo: contribuição para um debate, se necessário, uma “querela” – Sylvie Lindeperg
28 O cinema de Chris Marker e o duplo gesto de retomada em O fundo do ar é vermelho – Julia Fagioli
52 Kluge e os arquivos: uma contraescrita da História – Leonardo Amaral
76 Apontamentos sobre o uso de arquivos históricos: acerca de Noite e neblina – Rodrigo Carreiro e Ricardo Lessa Filho
98 Como representar o “irrepresentável”? – uma análise sobre a abordagem do Holocausto no cinema documentário – Rafael Valles
118 Fragmentos de guerra: estética e política em El Perro Negro, de Péter Forgács – Jamer Guterres de Melo
138 O atrativo dos planos encontrados – Christa Blumlinger

Farocki e os arquivos
164 Sobre algumas ficções de arquivo na obra de Harun Farocki – Amélie Bussy
188 “A máquina sempre quer algo de você”. Entrevista com Harun Farocki – Ednei de Genaro e Hermano Callou

Fora-de-campo
204 O que resta do tempo: ficção e política no cinema de Elia Suleiman – Maria Ines Dieuzeide

228 Normas de publicação

Apresentação

Anita Leandro,
César Guimarães
Julia Fagioli

O cinema documentário aparece cada vez mais no cenário contemporâneo como um lugar de memória, no sentido que os historiadores deram a esse termo, com Frances Yates ou Pierre Nora. Arte da fala, o documentário é um espaço privilegiado para o registro do testemunho, na medida em que, além de uma narrativa histórica, ele também traz à tona os silêncios e lacunas que habitam as lembranças do passado. Mas, sobretudo, o documentário se apresenta no panorama atual como uma encruzilhada do fluxo contínuo das fontes documentais, orais e visuais existentes – textos, fotografias, registros radiofônicos, imagens fílmicas e materiais audiovisuais de diferentes suportes, reunidos na mesa de montagem para se escrever a história. Para enfrentar a complexidade e o volume da produção visual do século XX, século das imagens e da valorização dos arquivos, o documentário aperfeiçoou a maior invenção do cinema, a montagem. À experiência poética, ele aliou investigação histórica, colocando-se ao lado dos historiadores em seu esforço de entendimento do passado.

Com esse primeiro volume do dossiê “Documentário e imagens de arquivo”, a revista Devires traz uma série de artigos que retomam o debate sobre o alcance historiográfico do cinema. Numa abordagem estética de filmes escolhidos, os textos aqui reunidos mostram, nas entrelinhas, que a montagem é um modo de escrita da história em adequação com uma hermenêutica do documento. O cruzamento de fontes documentais, procedimento habitual de pesquisa histórica, ao ser feito na montagem, dá acesso à uma compreensão diferenciada dos acontecimentos. Maio de 68, a guerra da Espanha, o genocídio dos judeus, todos esses grandes dramas históricos, sobre os quais os historiadores já escreveram tanto, passam a ser vistos sob um novo ângulo quando os documentos de arquivos a eles relacionados são retomados pelo documentário. É o que acontece nos filmes evocados nesse dossiê. Uma micro-história aparece no plano de detalhe do documento trabalhado na montagem ou no cruzamento da imagem de arquivo com fontes orais, clareando pontos obscuros da macro história. Essa potência historiográfica da montagem explica, em parte, a “atração dos arquivos”, fenômeno atual, analisado por Christa Blumlinger num artigo desse volume, e denominado, por outros autores, em textos anteriores, de “impulso arquivístico” (Hal Foster, 2004) ou “furor de arquivo” (Suely Rolsnik, 2009). Exploradas ao extremo pela indústria cultural, as imagens existentes necessitam do contraponto de um cinema rigoroso no tratamento das fontes visuais, de maneira a afirmar seu “estatuto científico”, como propõe Sylvie Lindeperg na abertura desse dossiê. De Alexander Kluge a Chris Marker, de Alain Resnais a Peter Forgács, de Godard a Farocki, esse último, entrevistado nesse número, todos os cineastas cujo gesto de retomada é analisado nos artigos que se seguem, compartilham uma responsabilidade política em relação às imagens do passado. Com esse primeiro volume do dossiê, a Devires procura colocar-se à altura do debate sobre os arquivos que suas obras suscitam.