Revista Devires v.06 n.01 – Dossiê Jean Rouch I

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Descrição

devires, belo horizonte, v. 6, n. 1, p. 1-174, jan/jun 2009 – issn: 1679-8503

Sumário
Apresentação – Mateus Araújo Silva – p.07

Derivas da ficção: notas sobre o cinema de Jean Rouch – Jean-André Fieschi – p.12
JR ou a vida sonhada – Jean-André Fieschi – p.30
Sobre Alberto Cavalcanti e Jorge Bodansky – Jean Rouch – p.34
Jean Rouch e Glauber Rocha: de um transe a outro Mateus Araújo Silva – p.40
Flaherty e Rouch: a invenção da tradição Henri Arraes Gervaiseau – p.74
Jean Rouch: cineasta africanista? Mahomed Bamba – p.92
A utopia reversa de Jean Rouch: de Os mestres loucos a Petit à petit
Renato Sztutman – p.108
Fotograma comentado – La mise à mort: sobre A caça ao leão com arco Marcos Uzal – p.126

Fora-de-campo
Confiar na imagem: a integridade do real em André Bazin Mário Alves Coutinho – p.138
Cinema, memória e esquecimento hoje Maria Cristina Franco Ferraz – p.154

Normas de publicação – p.174

 

Apresentação

Mateus Araújo Silva

À memória de Jean-André Fieschi

Comemorando em 2009 dez anos de existência, a revista Devires consagra, excepcionalmente, seus dois números semestrais à obra monumental do cineasta e antropólogo francês Jean Rouch (1917-2004). O esforço editorial na base destes números especiais se inscreve num duplo movimento.

Por um lado, ele se associa a um enorme evento em torno de Rouch que acontece de junho a agosto de 2009 em quatro capitais brasileiras (São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Brasília). Concebido e organizado por mim, por Andrea Paganini e por Juliana Araújo em nome da Associação Balafon, de Belo Horizonte, tal evento se divide em uma vasta retrospectiva de 91 filmes (77 do cineasta e 14 em torno dele), que itinera por essas quatro cidades – e talvez se estenda ainda a outras –, e em dois colóquios internacionais sobre a sua obra, um em São Paulo, outro no Rio. Inserindo-se nas comemorações do Ano da França no Brasil, tal evento está sendo maciçamente apoiado pelo Ministério da Cultura e por sua Secretaria do Audiovisual, secundados pelo Instituto Moreira Salles, pela Secretaria Estadual da Cultura de Minas Gerais e por patrocinadores franceses. Ele vai muito além de tudo o que já se fizera sobre Rouch no Brasil, e colocará provavelmente em novo patamar o conhecimento da sua obra entre nós.

Por outro lado, tal esforço editorial vem confirmar não só o interesse notório e de longa data dos editores desta revista pela obra de Rouch (que já tinha sido objeto de artigos e discussões em números anteriores), como também a solidez da reflexão que eles lograram produzir e acolher em suas páginas sobre as interfaces do documentário e sobre o cinema moderno em geral. Se essa reflexão se adensou nestes dez anos, isso se deve à tenacidade dos editores e seus colaboradores, aos seus trabalhos de ensino e pesquisa no âmbito da Universidade, e de modo mais geral ao incremento do debate cinematográfico em Belo Horizonte, para o qual tem sido decisivo o aporte do forumdoc.bh (Festival do Filme Documentário e Etnográfico / Fórum de Antropologia, Cinema e Vídeo), que entra este ano na sua 13a edição. Numa conjugação de esforços e iniciativas, vimos crescer nos últimos anos uma cultura do documentário em Belo Horizonte, que passa pelos festivais do forumdoc, pela interlocução estreita e amiga estabelecida pelos mineiros com teóricos, críticos e cineastas de proa (como Jean-Louis Comolli, Ismail Xavier, Jean-Claude Bernardet, Eduardo Coutinho, Arthur Omar, Andrea Tonacci, Eduardo Escorel, Consuelo Lins etc.), pelas orientações de teses que seguem seu curso e consolidam uma rotina de reflexão mais detida sobre o cinema na cidade, pela existência desta revista e pela própria produção cinematográfica das novas gerações daqui.

Assim, associando-se à Retrospectiva e aos Colóquios Jean Rouch de 2009, e celebrando ao mesmo tempo a maturidade de um projeto editorial que se consolida, a Devires abre suas páginas a uma discussão qualificada sobre a obra rouchiana, ainda incipiente no Brasil, apesar de suas relações com o país e dos estudos mais específicos que começaram a surgir por aqui nos últimos anos (lembremos, por exemplo, o belo livro de Marco Antonio Gonçalves, O real imaginado: etnografia, cinema e surrealismo em Jean Rouch, de 2008). Nos dois dossiês especiais consagrados a Rouch nos números deste ano, estamos distribuindo cerca de vinte textos, além de um anexo com uma bibliografia (dele e sobre ele) mais completa do que as utilizadas até agora pelos pesquisadores franceses e brasileiros.

Neste primeiro número, o elenco dos textos inclui dois elogios breves de Rouch (mas de grande interesse para o leitor brasileiro) a Alberto Cavalcanti (de 1988) e a Jorge Bodansky (de 1983), publicados por ocasião de retrospectivas destes cineastas, mas nunca recolhidos em livro, e traduzidos aqui pela primeira vez em português; três textos de críticos franceses de duas gerações diferentes, presentes nos colóquios sobre Rouch já mencionados:duas visões de conjunto escritas por Jean-André Fieschi (dentre as quais seu ensaio já clássico e incontornável “Derivas da ficção”, de 1973, talvez o mais belo texto já escrito sobre Rouch, seguido aqui por um elogio mais breve de 1997) e um ensaio sobre La Chasse au lion à l’arc (1958-1965) escrito em 1999 por seu amigo Marcos Uzal, um dos críticos franceses mais talentosos de sua geração, que aparece aqui na tradicional seção do “Fotograma comentado”; quatro textos de estudiosos brasileiros (três dos quais presentes nos Colóquios Rouch deste ano), abordando Rouch com angulações distintas: Henri Gervaiseau e eu discutindo as relações do cineasta francês e sua obra com as de Robert Flaherty e Glauber Rocha, respectivamente; Renato Sztutman revisitando Os mestres loucos (1955) e Petit à petit (1970) à luz da noção de “antropologia reversa” inspirada em Roy Wagner; Mahomed Bamba, enfim, examinando o lugar da obra africana de Rouch entre o cinema etnográfico africanista e um cinema “genuinamente africano”.

A seção Fora-de-campo vem completar este volume com uma discussão muito oportuna de Mário Alves Coutinho sobre o estatuto do realismo em André Bazin (do qual ele oferece duas traduções inéditas em português) e outra de Maria Cristina Franco sobre cinema, memória e esquecimento, a propósito de um filme de Michel Gondry.